O sistema de governo em um país democrático caracteriza as relações estabelecidas entre o executivo e o legislativo. No presidencialismo clássico, o presidente é chefe de governo e chefe de estado. No Brasil, na Ditadura de 1964 e no pós Ditadura, os legisladores entenderam que para evitar crise de governabilidade o poder executivo deveria deter recursos institucionais que impedisse o legislativo de produzir paralisia decisória, como na década de 1960.

Assim, a constituição democrática de 1988 consolidou uma relação entre executivo e legislativo onde o presidente da república detém prioridade na apreciação de projetos pelo  poder legislativo, pode usar medidas provisórias com efeitos de legais imediatos e detinha exclusividade em temas relativos a criação de despesas.

Nos últimos 35 anos a relação tutelar que o executivo detinha frente ao poder legislativo vem se alterando, tendo enormes mudanças a partir do governo Michel Temer, a partir de 2016. Hoje podemos dizer que existe uma relação de equivalência entre os poderes executivo e legislativo no Brasil, notadamente relativo às questões orçamentárias e de distribuição de poder na esplanada dos ministérios.

Duas variáveis são centrais para entendermos o que está acontecendo no Brasil do século XXI: a enorme fragmentação partidário parlamentar, onde o partido do presidente da república eleito não detém mais do que 20% da base parlamentar e a coalizão eleitoral, destes presidentes, não ultrapassa a 33% de poder congressual. Hoje um presidente da república para obter maioria qualificada de votos no congresso nacional (3/5 ou 308 votos) precisaria de pelo menos 18 partidos políticos na base do governo.

Este fato inquestionável por si só, retira a identidade política e ideológica de um governo popular. Imaginem um governo, como o do presidente Lula querendo vetar o marco temporal no congresso, sendo que grande parte de sua base se compõe de partidos de direita e do centro conservador. Nenhuma política que fira os interesses dos grandes grupos de interesses poderá prosperar neste modelo de governabilidade.

A partir da experiência do governo Temer entre 2016 e 2018, num contexto de grande instabilidade política, a maioria congressual comandada pelo chamado centrão tomou as rédeas políticas da câmara dos deputados e do senado federal, assumindo progressivamente poder político mais amplo  e transformando este protagonismo em um novo desenho institucional que ampliaria, cada vez mais, os poderes do congresso nacional.

Com advento do governo Bolsonaro, após o primeiro ano de bravatas do novo presidente, que montou seu gabinete ministerial sem ouvir os partidos políticos, as forças partidárias do congresso nacional quedaram o presidente bufão, estes partidos passam a indicar ministros de estado, além de começarem a ter enormes inciativas orçamentárias, culminando com a já famosas emendas do relator que revelaram o já famoso orçamento secreto, onde as verbas eram alocadas por parlamentares para suas bases eleitorais através do presidente da comissão  mista do orçamento federal, mantendo sob sigilo o nome dos parlamentares.

O governo Lula herdou um congresso ultra conservador, sob comando dos partidos do centrão que vêm consolidando seus poderes orçamentares, através das emendas de relator, só que agora, de forma transparentes, os nomes dos deputados e senadores que indicam emendas parlamentares são conhecidos.

Hoje o governo Lula dispõe de 38 ministérios, para o ano de 2024 o congresso aprovou a lei orçamentária anual com 55 bilhões de reais destinados para emendas parlamentares. E mais, o congresso aprovou mecanismo automáticos de liberação destes recursos. Este mesmo congresso derrubou o veto presidencial sobre o marco temporal e sobre a desoneração dos impostos patronais para 17 setores da economia. O congresso, junto com os empresários, ao mesmo tempo que brada por déficit zero no orçamento de 2024 aprovam renúncia fiscal para empresários.

Isto posto, parece que fica cristalino que há muito o congresso nacional brasileiro já vem criando gastos públicos, atributos que são proibidos pela constituição de 1988. Ou seja, já vivemos uma nova prática institucional no Brasil com a ampliação dos poderes orçamentários do congresso nacional brasileiro. E mais, os partidos políticos vêm tendo ampla influência na montagem do gabinete ministerial do governo brasileiro, assim como na nomeação de cargos em empresas estatais, autarquias ou empresas  públicas.

Podemos dizer que hoje o governo brasileiro já é uma tri-arquia composta pelo presidente da república, pelo presidente da câmara e pelo presidente do senado. Presidentes da câmara e do senado se revezam no confronto ao poder executivo, neste momento o presidente do senado Rodrigo Pacheco já ensaia a devolução, ao presidente da república da Medida Provisória que retoma a discussão para retirar a renúncia fiscal para os 17 setores da economia que mais empregam.

Nosso sistema de governo já se distancia do presidencialismo clássico, não é parlamentarismo, mesmo sendo o congresso  poderoso, não é semipresidencialismo porquê não temos um presidente, eleito diretamente, convivendo com um primeiro ministro indicado pelo parlamento. Então qual seria nosso sistema de governo atual, independente do que prevê nossa constituição?

Podemos dizer que o Brasil vive um novo sistema de governo em gestão, um modelo de sistema político onde a coalizão de partidos de centro direita “abocanha” em larga escala o orçamento público para direcioná-lo para as bases dos deputados e senadores, de forma igualitária, quer dizer:  todos os parlamentares são “aquinhoados” com as verbas públicas, sejam eles da extrema direita até a extrema esquerda, passando pelos partidos de centro (progressista, centrista e reacionário).

Podemos provisoriamente caracterizar este modelo de clientelismo orçamentário como trocas políticas simétricas entre o governo federal e o congresso nacional. Por outro lado, os deputados e senadores brasileiros realizam trocas políticas assimétricas com governadores, prefeitos e entidades da sociedade civil brasileira. Em troca de emendas parlamentares, prefeitos e governadores e entidades garantem fatias do eleitorado ao deputado ou senador promotor desta emenda.

Os poderes orçamentários hipertrofiados dos partidos no congresso podem ser percebidos na conformação do gabinete ministerial do governo, assim como nas empresas públicas e estatais, por outro lado, o poder individual dos parlamentares podem ser percebidos na partilha do bolo orçamentários, onde o governo negocia diretamente com cada deputado os interesses  de cada parte interessada.

Até há pouco tempo, o governo poderia “punir” deputados rebeldes, quando estes voltavam contra o governo, hoje, a partir asa emendas impositivas e da execução automática do orçamento o poder dos deputados e senadores são incontroláveis. Agora poder executivo e lideres congressuais negociam em pé de igualdade.

Estas constatações empíricas apontam para um cenário de um governo compartilhado entre executivo e legislativo no Brasil no próximo período histórico. Este cenário indica respostas lentas e conservadoras para as necessidades prementes do povo pobre de nosso país. As mudanças serão em passo de cágado.

Este cenário só se alteraria se o campo popular e progressista ampliasse sua representação no congresso nacional. Mas esta representação só se alteraria se os partidos de esquerda e populares viessem a se implantar nos pequenos e médios municípios brasileiros que detém, 70% do eleitorado, hoje a direita e o centro conservador dominam mais de quatro mil municípios de um total de 5.570 municípios.

NOSSO FUTURO POLÍTICO PARECE SOMBRIO.

 

 

 

 

 

 

Normalmente as prefeituras de baixa arrecadação padecem de incapacidade para honrar com as obrigações sociais de seus funcionários assim como tendem a fazer poucas realizações com recursos próprios. Este fato faz com que a capacidade de um prefeito se reeleger diminua bastante, fala-se que as prefeituras pobres são cemitérios de prefeitos, uma vez que perdem capacidade de construir uma carreira política estadual ou federal.

Prefeitos que são bem sucedidos neste tipo de prefeitura, que no Pará atinge mais de 100 municípios, possuem capacidade política acima da média, uma vez que estes chefes do executivo local, precisam construir uma rede de apoios no legislativo estadual, legislativo federal, com o governador e com ministros do governo federal, além de construir uma sólida coalizão legislativa dentro das câmaras municipais que lhes permitem boa governabilidade.

Por outro lado, prefeituras com boa arrecadação, mas onde os prefeitos possuem baixa articulação com os legislativo estadual, federal, governador e ministérios federais, repetem a mesma trajetória das prefeituras pobres, uma vez que possuem baixa capacidade de investimentos e tendem a ser mal avaliados pelos munícipes.

Temos também outra variante nos governos municipais, que conduz a avaliação ruim de governo. São os casos de prefeituras situadas em grandes municípios, que possuem boa arrecadação própria, o chefe do executivo se articula bem com deputados, senadores e governos, mas não consegue fazer uma boa gestão e acumula avaliações negativas do eleitorado.

Nestes casos, o núcleo governante comandado pelo prefeito não consegue colocar em prática seu planejamento de gestão, seja ela de curto ou médio prazo. Nestes casos o prefeito não consegue fazer investimentos estruturais para o município, a falta de manutenção de: ruas, logradouros públicos, limpeza urbana e dos equipamentos de saúde, educação são visíveis, até por observadores menos atentos.

Deve-se anotar, que num município bem aquinhoado orçamentariamente, quando se percebe sujeira na cidade, em logradouros públicos, serviços de saúde deficitários, falta de medicamentos nas unidades básicas de saúde, fica patente aos olhos dos especialistas que este governo carece de governança mínima.

Sabemos que os serviços de limpeza urbana, hospitalares, de escolas, dos transportes públicos são terceirizados, assim como atividades  na “ponta” dos serviços públicos, como: segurança patrimonial, atendimento nas unidades básicas de saúde e outros serviços públicos, que são executados diretamente pelo funcionalismo municipal, carecem de monitoramento diário das secretarias e autarquias do governo municipal.

Municípios grandes, com boa arrecadação e que recebem aportes de emendas estaduais, federais e ainda possuem convênios com o governos federal e estadual, e mesmo nestas condições, o prefeito encontra-se mal avaliado, pode-se pensar em várias hipóteses explicativas.

 

 

Dentre estas hipóteses podemos pensar em: incapacidade do gestor em executar um modelo de governança: do chefe do executivo para os secretários, dos secretários para seus assessores de confiança e finalmente, nas relações entre as secretarias e as empresas terceirizadas.

Caso não esteja sendo praticado   um modelo de governança efetiva, ocorre uma completa anarquia na gestão de políticas públicas. Normalmente o chefe do executivo elege o secretário de governo como o condutor e coordenador das ações de governança, desde as relações com os demais secretários de governo até a relação das secretarias com as empresas terceirizadas.

Cabe ao chefe do executivo municipal, com base nas construções de metas de gestão de curtíssimo, curto e médio prazo, cobrar resultados mínimos de cada secretário municipal. Assim mensalmente, o prefeito deve acompanhar os resultados de gestão, fundado em pesquisas qualitativas e quantitativas, por secretaria municipal, cobrar resultados, estabelecer prazos para que os resultados sejam atingidos, e no limite, substituir auxiliares que com baixa capacidade de realização.

Normalmente, a ausência de governança, impedirá o chefe do executivo de “descobrir” atos de vetos produzidos pela burocracia concursada, estabelecida em cada secretaria municipal. A burocracia municipal em uma grande cidade é difícil de ser controlada à distância. Sem uma política de governança bem “traçada” e implementada, um prefeito pode ver sua gestão paralisar quando se fala em resultados de serviços públicos cotidiano, como nos casos de limpeza urbana e serviços de educação, saúde, meio ambiente, segurança pública etc.

 “ Não basta ser bom de voto para ser bom gestor, tem de dominar técnicas políticas de construção de coalizão de governo, alianças com outras esferas de governo, assim como dominar a teoria da governança pública e para isso, os planejamentos global, setorial e localizado são essenciais”.

 

 

 

 

 

Recentemente o Brasil conviveu com um governo atípico, porque antipolítico, antidemocrático, antissocial e anti-humano. Foi o governo Bolsonaro que atuou contra todas as teorias de marketing político e marketing de governo corrente, obteve sucesso eleitoral e, mesmo num contexto de pandemia, crise social, crise econômica e destruição de direitos trabalhistas, chegou nas eleições com praticamente 50% do eleitorado.

No Brasil temos eleições alternadas a cada dois anos entre disputas estaduais e disputas municipais. Nestas eleições são intensas as alternâncias de governos. Nas disputas municipais temos enormes alternâncias de governos devido à carência estrutural de recursos orçamentárias que todas as cidades brasileiras sofrem.

O Estado social brasileiro, construído a partir da Revolução de 1930, foi exitoso na sua implantação graças à crise do liberalismo na Europa e nos EUA, no contexto pós primeira guerra mundial e da Revolução Russa, tendo como corolário a crash da bolsa de nova York e a intensa luta de classes na Europa ocidental com a ascensão do movimento operário.

No contexto de 15 anos do governo Vargas foi implantado o embrião da previdência pública através dos Institutos de Assistência e Previdência (IAP’s), Institutos do Açucar e do Álcool, Instituto Federal do Café, Instituto federais do Pinho, Mate e Sal, implantou a Companhia Siderúrgica Nacional, Fundação SESP, Consolidação das Leis do Trabalho, Salário mínimo, criou os ministérios do trabalho, indústria e comércio e o ministério da educação e saúde, criou a propriedade federal de indústrias, tais como: navegação e empresas de economias mistas para estimular os investimentos em indústrias básicas, criação do Departamento de administração pública (DASP) para gerir uma nova política para a burocracia pública.

O governo Vargas acompanhava a tendência mundial no fortalecimento da intervenção do Estado na economia e na sociedade como um todo. Todo este aparato de fundação do Estado social foi complementado pela ação dos governos militares na opção pela intervenção do Estado na economia e na sociedade através da: industrialização a partir da propriedade estatal, criação do INPS em 1966, estatizando toda a previdência no Brasil, criação do FUNRURAL que equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos ao rurais, assim como executou uma intensa política habitacional para as classes médias brasileiras, a custo muito baixo.

Na verdade, a burguesia brasileira não possuía uma poupança suficiente para implantar uma indústria de base no Brasil. O capitalismo brasileiro vai nascer da fusão do capital privado com o capitalismo de Estado e com o capitalismo monopolista internacional. A burguesia brasileira só terá acesso as grandes indústrias a partir da década de 1990, através das privatizações “a baixo custo” nos  governos Collor e  FHC.

Nos períodos dos governos Lula e Dilma um moderno aparato de instituições do Estado social foram criados e ampliados como: criação de novas universidades, de centenas de Institutos federais de educação e escolas técnicas federais, fortalecimento do sistema único de saúde(SUS) com ampliação de sua aparelhagem de urgência e emergência (SAMU e UPAS), expansão da rede do sistema único de assistência social (SUAS), implantação do programa “Mais Médico” com a contratação de 11 mil profissionais para os municípios do interior, fortalecimento das ações e das instituições de proteção meio ambiente, a exemplo do fortalecimento do IBAMA e da criação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO), criação de uma rede de combate a insegurança alimentar de combate à fome (Bolsa Família e derivados, como o seguro defeso), Fortalecimento do programa nacional da agricultura familiar (PRONAF), implantação da política de irrigação de terras áridas com o programa de transposição das águas do rio São Francisco, deixando mais de 80% desta obra concluída

 O governo Bolsonaro agiu intensamente para desconstruir o Estado Social brasileiro ao desmontar ou imobilizar o aparato social brasileiro, atacando com arrocho orçamentário universidades, institutos federais de educação e de defesa do meio ambiente, desmontando boa parte da CLT, fazendo uma reforma previdenciário que tirou direitos de aposentados e pensionistas, arrochando o salário mínimo e o salário do funcionalismo e privatizando a maior esperança de combate à desigualdade social brasileira, ao privatizar o Pré-Sal, sem falar na extinção do ministério do: trabalho, das mulheres e da cultura.

O governo Lula inicia no dia 01 de janeiro de 2023, onde governará o primeiro ano com o orçamento deixado pelo governo Bolsonaro, que deixou em segundo plano todo as políticas sociais brasileiras. Lula está propondo “remendo” no orçamento bolsonarista, que é influenciado por uma política de Estado mínimo, e seguramente, Lula só fará a recomposição orçamentária para o ano de 2024.

O governo Bolsonaro foi extremamente maléfico para as políticas sociais brasileiras, pois durante três anos maltratou a população mais pobre do nosso país, além de ter uma atuação anti-humana durante a ação agressiva da COVID 19, em um momento em que as vacinas ainda não estavam criadas. Mas o que chama a atenção foi a capacidade deste governo, já em ocaso, em apresentar poder de disputa eleitoral, atingindo no segundo turno mais de 49% do voto do eleitorado.

Como um governo, que durante mais de 12 meses apresentou rejeição acima de 60%, conseguiu nos últimos meses de existência reduzir sua rejeição e ameaçou se reeleger? sobre esta questão é que devemos produzir reflexões estruturais para evitar o retorno do perigo da extrema direita em eleições próximas. Pensar uma reforma política que elimine a reeleição, talvez fosse um caminho.

Como a extrema direita bolsonarista liderou a direita brasileira, a ponto de vermos grupos de empresários estarem engajados no governo e na campanha bolsonarista? Quais as ferramentas que o bolsonarismo usou para produzir uma ideologia “eficaz” para seus seguidores? Como descolar a direita e afastá-la da extrema direita e enfraquecê-la para níveis de apoio popular que ostenta na maioria dos países europeus?

Devemos buscar responder estas questões com serenidade e utilizando o recurso histórico para tentar entender os fatores que incidiram sobre os acontecimentos recentes no Brasil que quase destruíram as instituições democráticas.

Nos finais do ano de 2014 explodiu o escândalo conhecido como Lava jato. Neste escândalo emergiu as denúncias de corrupção na Petrobrás. Paralelo a este escândalo o governo da presidente Dilma foi derrotada pelo baixo clero nas eleições para a presidência da câmara dos deputados. A presidente Dilma colheu nesta derrota política a eleição de um presidente da câmara de oposição personificado na figura do deputado Eduardo Cunha.

Enquanto a operação Lava jato avançava em suas investigações com amplo apoio dos maiores meios de comunicação de massa, em especial a Rede Globo, o Brasil enfrentava uma enorme crise econômica proveniente de fatores internos e externos. O governo Dilma enviou à câmara de deputados uma série de iniciativas econômicas e administrativas para enfrentar a crise econômica que representavam remédios amargos para a população.

Na câmara de deputados estas medidas foram desdenhadas pelo presidente Eduardo Cunha, que respondeu com a chamada pauta “bomba”. Enquanto o governo esperava a aprovação de uma série de medidas para enfrentar a crise econômica o presidente da câmara dos deputados Eduardo Cunha respondia com medidas que significavam mais gasto para o governo federal.

O resultado é que a presidente Dilma revelou-se incapaz de debelar a crise econômica crescente, tendo uma vertiginosa queda de popularidade, chegando a ostentar menos de dois dígitos de aceitação popular. Enquanto isso ocorriam prisões de empresários, dirigentes do PT e de altos tecnocratas da Petrobrás envolvidos em corrupção. A operação Lava jato avançou para outros partidos e prendeu dirigentes partidários do PP, PR, MDB, PTB e o PSDB caiu em desgraça com as acusações contra o presidente da sigla, Aécio Neves, ex-candidato a presidente da república em 2014.

Estavam criadas as condições para emergências de propostas oportunistas e antidemocráticas, na conjuntura do segundo mandato da presidente Dilma, no contexto de aguda crise econômica e no espetacular apoio que ostentava os procuradores e os juízes encarregados da operação Lava jato.

Os pedidos de impeachment da presidente Dilma se multiplicavam na câmara dos deputados. A presidente da república não tinha nada que a ligasse aos escândalos da operação Lava jato. Neste momento o vice presidente da república Michel Temer, presidente do MDB, maior partido da base do governo Dilma já fazia dupla de ação estratégica com o presidente da câmara Eduardo Cunha, também do MDB, com o objetivo de cassar a mandatária maior do Brasil.

Utilizando o argumento da pedalada fiscal, o presidente da câmara Eduardo Cunha aceitou a abrir o processo de impeachment contra a presidente Dilma. Note-se que a pedalada fiscal representava a transferência de recursos da Caixa Econômica Federal para pagar o Bolsa família, sem a contrapartida do governo federal. Esta movimentação orçamentária sempre foi praticada por governos democráticas no ocidente e nunca foi motivo de cassação de nenhum chefe de governo.

Pois bem, a presidente Dilma foi cassada, Temer assumiu a presidência da república, a operação Lava jato continuou avançado até a níveis ilegais, do tipo: se houve corrupção na Petrobrás, se existiam dirigente do PT envolvidos nesta corrupção, então o ex-presidente Lula, com certeza faz parte deste jogo criminoso. Na Direito, seria a “teoria do domínio dos fatos”, muito utilizado pelo governo nazista para eliminar adversário políticos durante a segunda guerra mundial. Resultado, Lula foi preso por causa de um sítio que era de seu amigo e de um apartamento que o mesmo havia comprado legalmente.

Porém, a Lava jato, não vitimou somente o PT, mas a maioria dos grandes partidos de centro e de direita que vinham servindo, desde 1994, como o centro político democrático, que foi capaz de garantir o equilíbrio de poder na câmara dos deputados e no senado federal. Assim MDB, PP, PR, PSDB e PTB,  perderam capacidade de competitividade política no curto prazo.O PT mostrou-se resiliente e polarizou as disputas nas eleições de 2018.  O resultado é que o centro democrático da política brasileira foi esvaziado, permitindo que uma extrema direita golpista ascendesse na política brasileira, hegemonizando a maioria da direita brasileira.

Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018, Lula foi condenado em primeira e segunda instância pela justiça federal, impedido de disputar as eleições presidenciais de 2018 e depois preso, e o MDB e PSDB passaram para o segundo plano da política brasileira. Esta ação oportunista do MDB e PSDB tiveram como consequência a destruição do centro democrático na política brasileira e a adesão pragmática da direita congressual ao governo de extrema direita representado por  Jair Bolsonaro.

Jair Bolsonaro, um deputado federal histórico do Partido Progressista, sempre pautou seu comportamento, em sete mandato consecutivos, na negação do sistema político vigente, ou seja, sempre se comportou como um outsider na política brasileira, se destacando na defesa de um modelo de governo baseado em Ditaduras, utilizando como método para tratar adversário fazendo a apologia de prisões arbitrárias, tortura e assassinatos. A candidatura de Bolsonaro foi impulsionada pelo evento caracterizado como o atentado da “facada”, fazendo com que suas intenções de votos saltarem de 18 para 36% num curto espaço de tempo.

Bolsonaro que vinha denunciando o presidencialismo de coalizão como um modelo de,  toma lá dá cá, entre governos e partidos no congresso nacional, montou seu governo sem ouvir os partidos políticos e iniciou sua jornada à frente do governo brasileiro. Durante todos os quatro anos  de governo, Jair Bolsonaro se destacou na política de desconstrução do Estado Social brasileiro, como já comentado anteriormente.

Após um desastroso comportamento político na condução das ações governamentais contra a pandemia da COVID 19 no Brasil, a partir do ano de 2020, Bolsonaro mostrou-se incapaz de construir uma base parlamentar sólida na câmara dos deputados e no senado federal. Foram derrotas seguidas perante a maioria parlamentar, sendo o presidente que mais acumulou derrotas no interior do parlamento.

O governo Bolsonaro para fazer frente a um iminente risco de impeachment na câmara dos deputados, abandona o discurso de combater a velha política do, toma lá dá cá, e  adentra a chamada velha política, construindo uma ampla aliança com o setor mais atrasado politicamente e clientelista do congresso nacional, fazendo do centrão o dono de uma gigantesca parcela do orçamento público, através do orçamento do relator, que ficou conhecido como orçamento secreto. Bolsonaro queimava a própria língua e foi dominado pela estrutura do sistema político brasileiro. Agora, Bolsonaro, o auto intitulado “político antissistema”, passa a reproduzir o que tem de mais esdrúxulo na prática política brasileira.

Enquanto Bolsonaro, só se comunicava com  sua base política e ideológica, representada pela classe média de direita, pelas forças policiais e militares, por evangélicos que achavam que Bolsonaro era o ungido de Jesus e pelo setor mais atrasado do agronegócio, representado por: grileiros de terras, exploradores ilegais do garimpo em terras indígenas e desmatadores patológicos das florestas amazônica.

Então chega o ano eleitoral, e o mesmo Bolsonaro que sempre caracterizou as políticas sociais compensatórias, como o Bolsa, Família, como uma esmola eleitoreira aos pobres, muda radicalmente de posição e apresenta um pacote de bondade eleitoral, criando a Renda Brasil de R$600,00 (seiscentos reais) com duração de 90 dias e que terminaria no dia 31 de dezembro de 2022. Bolsonaro buscava conquistar eleitorado dentre os mais pobres, notadamente no norte e nordeste brasileiro. Aprovou no congresso o empréstimo consignado para os beneficiários da Renda Brasil.

Para enfrentar as disparadas dos preços dos combustíveis, Bolsonaro aprovou medidas inibidores do aumento dos preços, penalizando os governos estaduais, quando reduziu o ICMS dos estados ao limite máximo de 17%. Os estados perderam 90 bilhões por anos, que são destinados ao financiamento de políticas públicas diversas. O governo aprovou uma bolsa mensal de R$1.000,00 (hum mil reais) aos caminhoneiros e subsidiou os custos do gás de cozinha aos mais pobres.

Bolsonaro revelou-se altamente resiliente na disputa eleitoral presidencial chegando a conquistar mais de 49% do eleitorado, num contexto de arrochos salariais, aumento da carestia familiar, centenas de milhares de mortos na COVID 19, subfinanciamento das universidades e institutos federais e imobilização, amplamente divulgada, das instituições de defesa do meio ambiente na Amazônia.

Para efeito de pensar o futuro político da extrema direita bolsonarista e sua presença no espectro político brasileiro é necessário fazermos uma rápida imersão sobre o conteúdo do voto em Jair Bolsonaro e das tarefas imediatas colocadas para o governo Lula, que pode ser caracterizado como um governo de reconstrução do aparato social, econômico e administrativo brasileiro, num contexto adverso perante o contexto político e econômico internacional.

Para iniciar a conversa podemos afirmar que nenhuma teoria baseada na racionalidade explica o voto bolsonarista.  Todos os segmentos mais identificados com o projeto bolsonarista saíram perdendo em seu governo, com exceção dos estratos superiores das forças armadas. A base cristã (evangélica e católica) são compostas por pobres e classes médias), os militares de baixa patente e as classes médias pública e privada, todos sofreram enorme perda aquisitiva nos últimos 4 anos. O que os uniu foi a luta contra um comunismo imaginário e a a defesa do voto bíblico.

Em síntese, Bolsonaro conduziu a metade da população brasileira a abandonar os debates políticos sobre a saúde, educação, emprego, salários, meio ambiente. O voto bolsonarista foi um voto ideológico e baseado em costumes, muito marcantes nos séculos pretéritos. O eleitor bolsonarista votou pela pátria, família e Deus. Tudo foi possível porque o núcleo duro bolsonarista convenceu seus seguidores a se informarem somente pelos canais bolsonaristas, fossem eles em televisão aberta, rádios ou redes sociais digitais. Somente Bolsonaro possui 51 milhões de seguidores. Em síntese, foi criado uma realidade paralela para manter uma base social para além da realidade política brasileira.

Parece bem provável que a extrema direita bolsonarista veio para ficar. O maior exemplo de sua capacidade de mobilização são os acampamentos em frente aos quartéis, que já duram um mês, questionando os resultados eleitorais e que possuem uma ampla rede de financiamento e estruturação política.  Estes acampamentos devem ser extintos nos próximos dias, mas a alternativa política bolsonarista parece que veio para ficar na política brasileira.

É fator decisivo para o futuro da democracia brasileira que a extrema direita bolsonarista seja descolada da direita democrática brasileira. Para tal o governo Lula deve mostrar ótima performance, na economia e na política, capaz de conquistar politicamente grande parte do eleitorado que votou na extrema direita nas eleições de 2022.

Não será fácil mostrar ótimo ou bom desempenho na condução do governo nos anos de 2023 e 2024, uma vez que o orçamento de 2023 será deixado montado pelo governo Bolsonaro. Lula só começará a governar com orçamento planejado por sua equipe de governo em 2024. Por outro lado, a capacidade do governo depende de variáveis não controladas pelas elites políticas nacionais, a exemplo das repercussões da economia internacional sobre a economia brasileira.

Qualquer desempenho considerado médio ou fraco em relação ao governo Lula terá consequências perigosas na próxima disputa presidencial de 2026. Não esqueçamos que o bolsonarismo terá vários porta-vozes reconhecidos como legítimos pela base ideológica bolsonarista. Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro ou Carlos Bolsonaro, são atores políticos amplamente reconhecidos pela base bolsonarista e podem levantar os estandartes bolsonaristas nas próximas disputas presidenciais.

Portanto, as tarefas do governo Lula exigem a manutenção e ampliação da ampla coalizão vitoriosa nas eleições de 2022, assim como, deve-se buscar caminhos de diálogos com eleitores cristão de todas as matizes teológicas, com as classes médias e segmentos empresarias refratários a governos progressistas e populares.

Os eleitores bolsonaristas exigem nova qualidade de marketing de governo. Símbolos, crenças e costumes devem ser qualitativamente discutidos. Estão em questões debates e discussões sobre valores, éticas e visões de mundo que apontam para a discussão entre tolerância e intolerância, sobre a aceitação do diferente, sobre a emergência de novas famílias, para além da família tradicional. Temos de radicalizar a discussão sobre uma sociedade inclusiva, tolerante e diversa. Esta discussão deve ser pauta obrigatória nas escolas de ensino básico, nas universidades, nos partidos, nas redes sociais digitais democráticas e nas igrejas e segmentos religiosos, nas televisões abertas e fechadas. Será a luta de valores éticos morais tolerantes contra valores intolerantes. Creio que podemos ganhar este debate.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O sistema político brasileiro tem funcionado, é verdade, mas somente à base da pulverização de recursos em busca de estabilidade congressual dos executivos federais. Com a distribuição de recursos de forma conjuntural e clientelista é que tem permitido a sobrevivência do poder executivo no Brasil, vide governos de FHC, Lula, Temer e Bolsonaro.

              Na história recente do Brasil, somente nas eleições de 1950 a extrema direita,  representada pela União Democrática Nacional-UDN, de forma dolosa, recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a vitória de Getúlio Vargas, que obteve 48% dos votos naquela eleição. A UDN, por fora das regras constitucionais de então, alegava que Vargas para ser declarado vitorioso precisaria de maioria absoluta. Ao final o recurso foi indeferido e Vargas empossado.

Normalmente acompanhamos as análises que se processam frente à momentos políticos conflituosos e percebemos os alcances das análises políticas e sociológicas sobre determinados períodos históricos. As análises não ultrapassam o conjunturalismo dos conflitos entre os atores políticos no contexto de variáveis nacionais e internacionais, onde se incluem os movimentos das economias e o confronto entre os países na luta por zonas de influências.