Há pelo menos 70 anos o mundo ocidental e democrático convive com uma pluralidade de núcleos familiares, estes núcleos familiares se compõem de famílias chefiadas por um homem e uma mulher, por dois homens, por duas mulheres, famílias chefiadas só por uma mulher, famílias chefiadas só por um homem. Na Europa há muito estas novas famílias já garantiram visibilidade jurídica, ou seja, são reconhecidas como portadores de direitos.

No Brasil, apesar da sociedade brasileira também já possuir esta heterogeneidade de famílias, só recentemente o poder judiciário, notadamente o supremo tribunal federal passou a reconhecer as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, e já existe juiz que está reconhecendo união poli afetivas de até três pessoas.

Enfim, a lei reconhece que as diversas naturezas humanas, relacionadas à orientação sexual têm de ser espeitadas e merecedoras de cidadanias plenas. O STF entendeu que estas novas formas de organização familiar merecem ser protegidas pelos direitos civis. A emergência destas novas formas de amor e afeição devem ser protegidas pelo Estado Democrático de Direito.

Estas novas formas de sociabilidade não podem ser objeto de restrição em nome de religiões, ideologias ou qualquer outra forma de pensamento excludente. Esta forma de vida e pessoas existem e devem ser respeitadas. Neste momento o mundo ocidental assiste a emergência de grupos, etnias e sociabilidades que lutam e vem conquistando cidadania plena, ou seja, visibilidade jurídica.

O ocidente democrático como um todo vive intensas contradições, concentração de riquezas exacerbada do norte sobre o sul do planeta, migrações em massa como consequência de guerras fraticidas. No norte do globo enriquecido, a extrema racionalidade produtiva vem causando desemprego em massa que tem como subproduto enormes conflitos econômicos e socais internos.

Os produtos nacionais brutos das grandes economias capitalistas centrais vêm há muito se deslocando para países periféricos com baixa proteção social, a exemplo da China, Índia e outras economias asiáticas, tendo como subproduto a troca da mão de obra operária do centro pela mão de obra barata destes países periféricos.

Por outro lado, os conglomerados financeiros concentram a massa de recursos de todo o globo e controlam as políticas de créditos em todo o mundo, deixando como reféns governos, empresas e indivíduos em todos os países, com especial gravidade as economias menos estáveis e dependentes do fluxo especulador que advém do centro para a periferia.

A visibilidade mais alarmante deste movimentos especulativos e concentradores de capitais são perceptíveis através do crônico déficit público e nas balanças comerciais de governos, tanto no centro como nas periferias do centro econômico mundial. Hoje os governos vivem a produzir corte de gastos públicos com rebatimentos nas políticas de proteção social, a exemplo dos EUA, Europa, Ásia, África e América Latina.

Neste contexto global, as velhas formas de gerir politicamente o poder executivo estão em pleno processo de erosão. As alternâncias de governos vêm tendo pouca eficácia nas resoluções de conflitos sociais internos, com gravidade ampliada nos países periféricos. Governos de esquerda ou social democratas não conseguem fazer políticas sociais, governos de direita não conseguem mais fazer políticas econômicas contracionistas devido aos enormes conflitos que adviriam para os segmentos mais empobrecidos da sociedade. Os partidos políticos à direita e à esquerda estão em franco processo de descrédito nos países centrais, e muito mais nas periferias.

Até 10 anos atrás o ciclo de alternância de governos nos países centrais obedeciam a lógica de alternância entre direita  e esquerda, onde a esquerda vencia eleições e centrava suas políticas em proteção social este ciclo entrava em declínio a partir de déficit público, desemprego e inflação, então, a direita vencia as eleições , controlava gastos, racionalizava as relações entre gasto público e despesas, equilibrava as finanças públicas e dominava por duas ou três eleições e depois o ciclo de alternância se repetia.

Hoje, nem a esquerda consegue ampliar gastos sociais por causa da escassez dos recursos públicos, que são em 50% dirigidos para o pagamento de dívidas com credores capitalistas em nível externo e interno,  e nem a direita consegue cortar gastos porque seria rapidamente trocada em eleição seguinte pela massa de empobrecidos. Enfim, o modelo de fazer política de governo, no centro e na periferia do capitalismo estão em plena insolvência política.

Vitórias de outsiders para os governos nacionais são exemplo da falência deste modelo político partidário, tanto no centro como na periferia do sistema econômico mundial, a exemplo da vitória de Trump nos EUA, Macron na França, Macri na Argentina e Bolsonaro no Brasil. E o que é pior, estes políticos caminham no sentido de uma política ainda mais destrutiva que é o ultra liberalismo econômico, fazendo o jogo dos agiotas internacionais.

Enquanto isso “novos” atores políticos emergem nesta sociedade em crise e se travestem de nacionalistas e transformam imigrantes em inimigos, a exemplo dos EUA e Europa, como respostas fáceis à crise de desemprego. O neofascismo e o neonazismo vêm ganhando cada vez mais audiência nestas sociedades.

No Brasil todo este movimento reacionário de espectro generalizado em nível internacional tem rebatimento interno  agregando além do discurso nacionalista de fachada, articula ainda o discurso contra a esquerda socialista, a denúncia dos direitos humanos, o preconceito sexual e a apologia à violência para enfrentar a criminalidade que assola toda sociedade.

É no interior desta enorme crise de causas multifatoriais que neste momento atinge a sociedade ocidental e democrática que um outro movimento reacionário de conteúdo teológico se funde com as alternativas xenofóbicas e crítica dos direitos humanos vem  produzindo como resultado uma trincheira política e moral de conteúdo fundamentalista a partir de um tipo de cristianismo que se coloca como barreira contra qualquer legislação que venha a reconhecer grupos sociais que não estejam inscritos em valores familiares tradicionais. Neste momento no Brasil, a política ressurge como subproduto de valores religiosos dogmáticos e crítico da pluralidade ético e moral.

Estes dois pilares, uma direita política antidemocrática, inimiga dos direitos humanos e xenofóbica veio a se unir a um conjunto de confissões religiosas particularistas, que rejeitam qualquer forma de pluralidade social e que sustenta seu discurso na discriminação sexual e contra o Estado laico e que emergiu vitorioso nas eleições brasileiras de 2018, materializada na figura do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Desde a sua fundação há mais de setenta anos a Organização das Nações Unidas-ONU luta pelos direitos fundamentais dos povos de todo o mundo. As opções, orientação, escolhas quanto à forma de vida privada e familiar de viver cabe às próprias pessoas decidirem, desde que respeitadas os princípios constitucionais de respeito aos direitos humanos, a todos os direitos fundamentais e à ordem social e democrática.

Hoje assistimos diariamente uma organização centralizada e que realiza distribuição em rede de conteúdos midiático oferecendo valores preconceituosos contra os direitos das novas formas de organizações familiares, contra o livre direito de pensamento, contra os direitos humanos e aos mesmo tempo vemos a apologia da violência, da tortura, e o que é pior professado por iminentes pastores de igrejas evangélicas.

Este fundamentalismo religioso associado a esta alternativa política de extrema direita não combinou seu jogo político nem com uma nova sociedade que vem brotando das entranhas desta sociedade conservadora  e nem com a transição global de costumes, valores e modo de vida que vem emergindo como uma tendência irrefreável no ocidente  e que neste momento torna os governos, a política e as ideologia ineficazes e incapazes de responder a esta tempestade plural, inovadora e que embute no seu interior a diversidade e novas formas de sociabilidade, esta novidade chama-se Espírito do Tempo libertário que tanto pavor vem causando ao pensamento e comportamento da velha sociedade tributária de valores morais dos século XIX e XX.

Estes fundamentalismos religioso e político representa uma forma de resistência desesperada a um novo mundo que se anuncia no ocidente onde a igualdade e pluralidade fazem parte de um UNO indivisível. Está em fase de amadurecimento um movimento em escala global que entrará em choque frontal contra esta governança e gestão da sociedade que conhecemos, os modelos atuais mostram-se esgotados. Mexer em direitos, em modo de vida e em conquistas sociais poderá se transformar em uma bomba de nitroglicerina não antecipada pelas elites políticas tradicionais do mundo ocidental. Mas este processo deve se iniciar agora e ter seu ápice nas décadas seguintes.

Uma coisa é certa, está emergindo uma nova modalidade de luta social que incorporará, luta de classes, lutas de grupos democráticos contra os defensores da barbárie ditatorial, lutas das mulheres contra o patriarcalismo, luta contra a xenofobia, luta contra todas as formas de discriminação, luta contra o neocolonialismo expresso na agiotagem internacional. O que advirá disso? Não sei, certamente ditaduras e golpes de Estado tentarão abortar a emergência deste Espírito do Tempo Libertário. No Brasil, sequer temos instituições capazes de reproduzir em escala nacional valores humano-universais capazes de se contrapor ao centro produtor de valores ético e morais particularistas que são produzidos em massas nos templos religiosos e nos meios de comunicação de massas.

Tempos de confrontos se avizinham, agendas antagônicas tendem a se  enfrentar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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