O sistema de governo em um país democrático caracteriza as relações estabelecidas entre o executivo e o legislativo. No presidencialismo clássico, o presidente é chefe de governo e chefe de estado. No Brasil, na Ditadura de 1964 e no pós Ditadura, os legisladores entenderam que para evitar crise de governabilidade o poder executivo deveria deter recursos institucionais que impedisse o legislativo de produzir paralisia decisória, como na década de 1960.

Assim, a constituição democrática de 1988 consolidou uma relação entre executivo e legislativo onde o presidente da república detém prioridade na apreciação de projetos pelo  poder legislativo, pode usar medidas provisórias com efeitos de legais imediatos e detinha exclusividade em temas relativos a criação de despesas.

Nos últimos 35 anos a relação tutelar que o executivo detinha frente ao poder legislativo vem se alterando, tendo enormes mudanças a partir do governo Michel Temer, a partir de 2016. Hoje podemos dizer que existe uma relação de equivalência entre os poderes executivo e legislativo no Brasil, notadamente relativo às questões orçamentárias e de distribuição de poder na esplanada dos ministérios.

Duas variáveis são centrais para entendermos o que está acontecendo no Brasil do século XXI: a enorme fragmentação partidário parlamentar, onde o partido do presidente da república eleito não detém mais do que 20% da base parlamentar e a coalizão eleitoral, destes presidentes, não ultrapassa a 33% de poder congressual. Hoje um presidente da república para obter maioria qualificada de votos no congresso nacional (3/5 ou 308 votos) precisaria de pelo menos 18 partidos políticos na base do governo.

Este fato inquestionável por si só, retira a identidade política e ideológica de um governo popular. Imaginem um governo, como o do presidente Lula querendo vetar o marco temporal no congresso, sendo que grande parte de sua base se compõe de partidos de direita e do centro conservador. Nenhuma política que fira os interesses dos grandes grupos de interesses poderá prosperar neste modelo de governabilidade.

A partir da experiência do governo Temer entre 2016 e 2018, num contexto de grande instabilidade política, a maioria congressual comandada pelo chamado centrão tomou as rédeas políticas da câmara dos deputados e do senado federal, assumindo progressivamente poder político mais amplo  e transformando este protagonismo em um novo desenho institucional que ampliaria, cada vez mais, os poderes do congresso nacional.

Com advento do governo Bolsonaro, após o primeiro ano de bravatas do novo presidente, que montou seu gabinete ministerial sem ouvir os partidos políticos, as forças partidárias do congresso nacional quedaram o presidente bufão, estes partidos passam a indicar ministros de estado, além de começarem a ter enormes inciativas orçamentárias, culminando com a já famosas emendas do relator que revelaram o já famoso orçamento secreto, onde as verbas eram alocadas por parlamentares para suas bases eleitorais através do presidente da comissão  mista do orçamento federal, mantendo sob sigilo o nome dos parlamentares.

O governo Lula herdou um congresso ultra conservador, sob comando dos partidos do centrão que vêm consolidando seus poderes orçamentares, através das emendas de relator, só que agora, de forma transparentes, os nomes dos deputados e senadores que indicam emendas parlamentares são conhecidos.

Hoje o governo Lula dispõe de 38 ministérios, para o ano de 2024 o congresso aprovou a lei orçamentária anual com 55 bilhões de reais destinados para emendas parlamentares. E mais, o congresso aprovou mecanismo automáticos de liberação destes recursos. Este mesmo congresso derrubou o veto presidencial sobre o marco temporal e sobre a desoneração dos impostos patronais para 17 setores da economia. O congresso, junto com os empresários, ao mesmo tempo que brada por déficit zero no orçamento de 2024 aprovam renúncia fiscal para empresários.

Isto posto, parece que fica cristalino que há muito o congresso nacional brasileiro já vem criando gastos públicos, atributos que são proibidos pela constituição de 1988. Ou seja, já vivemos uma nova prática institucional no Brasil com a ampliação dos poderes orçamentários do congresso nacional brasileiro. E mais, os partidos políticos vêm tendo ampla influência na montagem do gabinete ministerial do governo brasileiro, assim como na nomeação de cargos em empresas estatais, autarquias ou empresas  públicas.

Podemos dizer que hoje o governo brasileiro já é uma tri-arquia composta pelo presidente da república, pelo presidente da câmara e pelo presidente do senado. Presidentes da câmara e do senado se revezam no confronto ao poder executivo, neste momento o presidente do senado Rodrigo Pacheco já ensaia a devolução, ao presidente da república da Medida Provisória que retoma a discussão para retirar a renúncia fiscal para os 17 setores da economia que mais empregam.

Nosso sistema de governo já se distancia do presidencialismo clássico, não é parlamentarismo, mesmo sendo o congresso  poderoso, não é semipresidencialismo porquê não temos um presidente, eleito diretamente, convivendo com um primeiro ministro indicado pelo parlamento. Então qual seria nosso sistema de governo atual, independente do que prevê nossa constituição?

Podemos dizer que o Brasil vive um novo sistema de governo em gestão, um modelo de sistema político onde a coalizão de partidos de centro direita “abocanha” em larga escala o orçamento público para direcioná-lo para as bases dos deputados e senadores, de forma igualitária, quer dizer:  todos os parlamentares são “aquinhoados” com as verbas públicas, sejam eles da extrema direita até a extrema esquerda, passando pelos partidos de centro (progressista, centrista e reacionário).

Podemos provisoriamente caracterizar este modelo de clientelismo orçamentário como trocas políticas simétricas entre o governo federal e o congresso nacional. Por outro lado, os deputados e senadores brasileiros realizam trocas políticas assimétricas com governadores, prefeitos e entidades da sociedade civil brasileira. Em troca de emendas parlamentares, prefeitos e governadores e entidades garantem fatias do eleitorado ao deputado ou senador promotor desta emenda.

Os poderes orçamentários hipertrofiados dos partidos no congresso podem ser percebidos na conformação do gabinete ministerial do governo, assim como nas empresas públicas e estatais, por outro lado, o poder individual dos parlamentares podem ser percebidos na partilha do bolo orçamentários, onde o governo negocia diretamente com cada deputado os interesses  de cada parte interessada.

Até há pouco tempo, o governo poderia “punir” deputados rebeldes, quando estes voltavam contra o governo, hoje, a partir asa emendas impositivas e da execução automática do orçamento o poder dos deputados e senadores são incontroláveis. Agora poder executivo e lideres congressuais negociam em pé de igualdade.

Estas constatações empíricas apontam para um cenário de um governo compartilhado entre executivo e legislativo no Brasil no próximo período histórico. Este cenário indica respostas lentas e conservadoras para as necessidades prementes do povo pobre de nosso país. As mudanças serão em passo de cágado.

Este cenário só se alteraria se o campo popular e progressista ampliasse sua representação no congresso nacional. Mas esta representação só se alteraria se os partidos de esquerda e populares viessem a se implantar nos pequenos e médios municípios brasileiros que detém, 70% do eleitorado, hoje a direita e o centro conservador dominam mais de quatro mil municípios de um total de 5.570 municípios.

NOSSO FUTURO POLÍTICO PARECE SOMBRIO.

 

 

 

 

 

 

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